quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Bandeira da Desigualdade


Nada melhor pra reativar o blog do que um texto de Elisa Lucinda!


'Sempre fui uma artista que não acha graça em arte que exclui e fico pensando por quanto tempo o Brasil vai insistir nesta falta de estratégia para um desenvolvimento geral da nação a médio prazo. Estamos carecas de saber que sem educação qualquer indicador de desenvolvimento é fictício, parcial e insustentável. Progresso sem justiça, desenvolvimento sem igualdade de condições para TODOS não passa de uma triste retórica. “Só existe um jeito de prever o futuro, construindo-o”. Então este sábio provérbio está a nos dizer que mais vale investir em academias públicas, saúde preventiva da família, bons produtos alimentares a baixo custo e ao alcance de todo cidadão pagador de seus impostos em tudo que consome, do que erguer milhares de hospitais. Bem como, mais vale um maciço investimento na educação do que construir cada vez mais e mais presídios. Isto parece absurdo, mas não é. Só precisa de milhares de hospitais um povo muito doente, e quanto mais harmônico o ser humano em relação ao seu sonho (coisa que o estudo costuma viabilizar) menos motivo de guerra este individuo terá. Só “precisa” de muitas celas um povo abandonado e cerceado de seu direito de sonhar. Que cadeias superlotadas e barbáries são os componentes de tragédias anunciadas, nós sabemos. Mas não basta que cada preso tenha sua cama, comida e banheiro. Esta mínima dignidade é frágil diante do que se tem que ali restaurar. Sem biblioteca, teatro escolas e ensino técnico no analfabeto presídio, só estamos trancafiando o problema. A justiça prende e prega a injustiça dentro de seus portões.

E ainda há outras formas de prisões. Um menino criado em seu rico condomínio que não sabe pegar um ônibus e tem nojo dos que ali dentro transitam, está encarcerado e excluído do conceito comunitário de mundo; muitos ricos estão órfãos do conceito de solidariedade. A cultura da exclusão campeia a passos largos, ignorando os apelos da era de aquário que preconiza a união entre os povos e o poder da palavra, agora vivida em tempo real virtual entre os cinco continentes. Temos muito o que aprender. Para os que gostam de exemplos de celebridades, hoje vi o Michel Douglas, numa revista, levando a filha de sete anos para a escola. Como? De metrô. Mas para isso tem que haver, além de uma mentalidade que não despreze o coletivo, metrô ou outros transportes públicos que minimizem o caos das cidades. No Brasil este mal é geral. Brasília vive diariamente seu apartheid. Amo essa cidade. Ela sabe, e por isso mesmo, como diz bem o meu pai, acho que já é hora de Brasília produzir bens para o Brasil, além da arte, e de cessar esta “estadolatria”, que pendura todos na saia do governo, fazendo tudo continuar como está. Só pobre anda de ônibus e quem vem para o plano piloto, dependendo do horário, não pode voltar para sua satélite. Sitiado pela população de entorno sem prestígios, o miolo da cidade dorme e amanhece sob o divino céu, e sob a mesma ilusão.Infelizmente, isso não é privilégio da Capital não. Moro na Cidade Maravilhosa e na minha rua só mora rico. (estou infiltrada ali) É uma ladeira chique com belas casas. Quem nela caminha até o topo pode provar da experiência de atravessar a fronteira. O morro da Tabajara subiu tanto que encontrou o cume da minha rua Sacopã. Vizinhas inesperadas, encostadinhas uma à outra, a coisa é assim – acaba uma mansão começa uma favela: chão de terra, cachorros magros, crianças na as ruelas, e muitas caçambas de lixo fermentado de uma semana de abandono na entrada da comunidade. A bandeira da desigualdade hasteada a céu aberto. A comlurb passa quase todos os dias na minha rua, mas quando no final esta rua muda de classe social o caminhão para. Não vai lá não. Também param e não vão o esgoto, o saneamento, a água tratada. O Estado não entra ali. O caminhão representa o Estado. Estamos comemorando a vitoria da pacificação dos morros que fez eu achar uma costureira na favela e ir caminhando sem medo dentro dela. Muito bem. À exemplo do Rio, este parece ser o caminho são de uma parte da segurança de vários Estados que tem geografia social parecida com a dos cariocas. No entanto, existe outra prisão ainda ali. Vive-se privado de uma educação de excelência e outros benefícios culturais para o desenvolvimento integral de um cidadão. Quero rasgar esta bandeira que condena nossos jovens e seus pais à exclusão perpétua.'

http://www.escolalucinda.com.br/alira/?p=167


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